Leilão 222 Arte Africana - Colecção Eng. Elísio Romariz dos Santos Silva | Antiguidades e Obras de Arte, Livros Antigos, Arte Moderna e Contemporânea
Por Cabral Moncada Leilões
25.9.23
Rua Miguel Lupi, 12 A/D . 1200-725 Lisboa Portugal

Exposição:

18 de Setembro (2ª feira) a 24 de Setembro (Domingo) - 14h às 19h

O leilão terminou

LOTE 10:

Cadeira de soba

Vendido por: €8 000
Preço inicial:
1 000
Preço estimado :
€1 000 - €1 500
Comissão da leiloeira: 24.6%
identificações:

Cadeira de soba
madeira
travejamentos entalhados e esculpidos "Figuras", espaldar entalhado e esculpido "Motivos geométricos" e "Máscara «Mwana Pwo»", outras decorações entalhadas "Motivos geométricos", assento em couro
Angolana - Tshokwe
séc. XX (1ª metade)
diversas faltas nos entalhamentos, outras faltas e defeitos, desgaste, patine de uso
adquirida ao soba Minganjo de Cangonga em 29 de Março de 1968
Dimensões (altura x comprimento x largura) - 65 x 25 x 29 cm
Notas: Proveniência: Colecção Eng. Elísio Romariz dos Santos Silva

peça nº 10, referida no caderno de apontamentos do coleccionador «Angola - Arte Negra, Relação e descrição das peças», nele identificada como «Cadeira de Soba - (Txituamo Txa Muata)»: "Pertenceu ao soba Cangonga, que deu o nome à povoação de Cagonga, situada ao km 877,0 da linha de Caminho de Ferro de Benguela. [...]
As travessas laterais e da frente eram esculpidas com figuras em friso que se encontram muito danificadas. [...] A do lado direito, a que está em melhor estado (embora as figuras estejam sem cabeças) representa o soba Cangonga com as suas duas mulheres: ao canto o soba; do lado direito a primeira de nome NACAFUXE e do lado esquerdo a segunda de nome NAMASSÊHÔ. [...] tem esculpida ao centro uma máscara Muana Púo,  de 'boa qualidade', com os olhos e a boca perfurados; pela parte de traz, o espaço ocupado pela máscara é escavado e tapado por uma chapa metálica gravada com aberturas correspondentes aos olhos e à boca. O resto da travessa é decorado com entalhes formando triângulos (à retaguarda) e rectângulos (na frente) [...].
Adquirida ao soba MINGANJO de Cangonga, pelo capataz do partido de via de Cangonga, Deolindo Anciães, em 29 de março de 1968, que a ofereceu.
Esta cadeira pertenceu ao soba Cangonga, primeiro soba da povoação a que deu o nome, avô do soba MINGANJO. Por morte daquele a cadeira passou para o seu sucessor seu filho e tio do último soba que a possuiu. [...]
Um dia ao passar pela concentração de populações de Cangonga, em meados de 1966 ou princípios de 1967, vi o soba de Cangonga, sentado na sua cadeira. Pedi para fotografar [...] e propus-lhe que a vendesse, o que não resultou apesar de todos os meus esforços. Era herdada do avô, o primeiro soba, e não podia viver sem ela. Pedi, então, ao capataz Anciães, e ao chefe do 9º lanço (Munhango) Emílio Augusto de Carvalho, que tentassem [...] adquirir a cadeira. O então Comandante do Destacamento [...] Alferes Costa Pereira, que acompanhou na visita e viu o meu interesse pela cadeira, também se interessou por ela, chegando a oferecer 1.500$00, mas não conseguiu adquiri-la.
A forma como a cadeira foi ter às mãos de Anciães é curiosa.
Depois de muitos dias de conversa, reservada de tempos a tempos e de ofertas cada vez maiores, o Anciães perdeu as esperanças de vir a conseguir a cadeira. Inesperadamente, a iniciativa partiu do próprio soba. Um dia, enquanto o Anciães estava para o trabalho da linha, e longe da povoação, mandou chamar a mulher do capataz Anciães. Esta ficou surpresa, sem perceber o que significava aquele pedido muito estranho do soba. Hesitou em ir, com medo; mas era uma mulher destemida: pegou na caçadeira, carregou-a e chamou a sua criada para a acompanhar a casa do soba para saber o que ele desejava, talvez até, um pouco levada pela sua curiosidade.
Qual o seu espanto ao verificar que o soba a tinha chamado para que ela dissesse ao marido, em segredo, que lhe vendia a cadeira. O negócio foi realizado pelo Anciães com as máximas precauções, mas nunca consegui saber como foi concretizado, nem quanto foi pago pela cadeira. [...]
O Anciães não sabia a razão que levou o soba Mingajo a tomar a iniciativa de lhe entregar a cadeira. Eu tenho pensado muitas vezes no caso, mas não encontro uma justificação clara, tanto mais que julgo que o soba teria tido melhores ofertas do que a que lhe fez o meu amigo.
Talvez a explicação do facto esteja no procedimento de alguns velhos sobas em relação ao Museu do Dundo (Lunda) que me foram referidas pelo então conservador do Museu Mário Fontinha (1965).
Algumas das melhores peças do museu tinham sido oferecidas, inesperadamente, pelos seus proprietários, depois de perdidas todas as esperanças da sua aquisição. Os velhos sobas explicavam sempre da mesma forma a razão das suas ofertas: estavam velhos e à espera da morte e queriam partir levando a certeza de que essas peças, tão queridas para eles (algumas ligadas à sua função de mando ou uso pessoal) ficariam bem estimadas, livres de maus tratos e, até, de destruição. Isto porque, diziam, os homens que as iriam herdar, já não sabiam dar o valor a essas peças carregadas de prestígio não só pelo seu valor artístico, mas sobretudo, pela força vital de quem as usara. Entregando-as ao Museu eles sabiam que essas peças eram bem estimadas e guardadas e que continuariam, através delas, na memória dos homens.
Terá também o soba Miganjo sentido que o seu fim estava próximo [...]? Não o poderei afirmar, mas é uma hipótese possível."
"Estas cadeiras revelam uma arquitectura bantuizada das arcaicas «cadeiras de couro» do século XVII, introduzidas pelos Portugueses, e o ornato dos marceneiros foi substituído pelos frisos figurados, espécies de frisos historiados dos escultores quiocos" - cf. REDINHA, José - "Album Etnográfico Portugal-Angola". Luanda: C.I.T.A, 1971, p. 60.
Outras cadeiras de soba encontram-se representadas em REDINHA, José - "Album Etnográfico Portugal-Angola". Luanda: C.I.T.A, 1971, p. 61; em DIAS, Jorge (direc.) - "Escultura Africana no Museu de Etnologia do Ultramar". Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1968, s/p, nº 150, (como "Cadeira de chefe"); em JORDÁN, Manuel. “Chokwe!- Art and Initiation Among Chokwe and Related Peoples”. Munich/London/New York: Prestel-Verlag, 1998, s/p, nºs 18-19 (como "Chief's throne"); em BASTIN, Marie-Louise. "La sculpture Tshokwe”. Arcueil: Alain et Françoise Chaffin, 1982, pp. 271-280, figs. 186-195 (como "Chaise"); e em KIANGALA, Manuel (direc.) - "A Evolução dos Tronos Lunda - Cokwe". Igombota: Museu Nacional de Antropologia/R. P. Angola, 1989, pp. 27-31 e 44-47.